O pregador plástico da liberdade de plástico
Querem comover-se? Ouçam isto. A "liberdade", a "tolerância", a "modernidade", o "progresso", o "futuro" e tal. Assim, todas as virtudes em cascata. Uma maravilha. Ouve-se isto e não há ultramontano mais empedernido que resista. É só misturar água e sai logo um campeão dos direitos. Ele até parece isso, não é?
E aquele toque final do "mar", do "luar", do "não parar" (porque não disse o verbo em que pensava: "votar"?) dá bem a medida da pirosice de que é capaz. Tem-se troçado de Carolina Patrocínio, mas ela é bem mais autêntica do que o secretário-geral do PS. Num sentido, Sócrates não é falso, porque um mascarado tem uma cara por detrás da máscara que procura esconder a todo o custo. Mas a máscara de Sócrates é, por assim dizer, "sincera", porque não tem nada por detrás. A aparência sempre tão frenética do primeiro-ministro procura mascarar precisamente o seu vazio. Ele está permanentemente a fingir que é alguma coisa. Não sei se Sócrates sabe quem é. Não sei se alguma vez tira a máscara diante do espelho e espreita para o vácuo diante de si. Talvez nem dê por isso.
Ele é apenas aquilo: frases ocas em gritaria esbracejada - sem pingo de consistência. Tanto pode ser uma coisa agora como o seu oposto daqui a dias. Mas sempre, sempre sob os holofotes, com tribunazinhas, figurantes solícitos e produzindo em catadupa anúncios e proclamações disto e daquilo. A realidade fica sempre lá fora, atrás dos cenários portáteis. Ele não a suporta - não só porque lhe estraga a permanente encenação, mas também porque não lhe cabe na sua "mundivisão" (para usar uma palavra que agora descobriu e não se cansa de repetir). Como se pode querer este homem para primeiro-ministro de um país?...
Todas aquelas proclamações de ontem têm um destinatário claro: o eleitorado (potencial) do Bloco de Esquerda e uma vaga "mentalidade aberta" que se comoveria com aquelas fantasias. Sócrates já tinha conseguido um candidato a deputado, que não se importa de se sujeitar ao papel de troféu de caça, para isco dos votos daquela esquerda. Mas convém sempre reforçar a nota "progressista" em comícios, não vá o "povo" esquecer o "profundo pensamento de esquerda" do secretário-geral.
Contudo, duvido que os votantes do Bloco sejam parvos. Eles sabem bem que a personagem que agora apregoa aos sete ventos a "liberdade" e toda a "tolerância" foi a mesma que os deixou de mãos a abanar com o "casamento do mesmo sexo", apenas esse "princípio" deixou de lhe dar jeito. É a mesma personagem que foi, sim, muitíssimo tolerante com as inúmeras manifestações de autoritarismo que foram pondo a cabecinha de fora pelo país: o caso do prof. Charrua, a exoneração da directora do Centro de Saúde de Vieira do Minho, a intromissão intimidatória da polícia em actividades sindicais, processos a manifestantes, como aconteceu em Guimarães, as intimidações nas escolas que recusassem a "avaliação" docente, etc. É a mesma personagem que processou vários jornalistas por pretensas "difamações" e fez uso de um discurso intimidatório para orgãos de comunicação social. É a mesma personagem que aceitou e premiou a linguagem insultuosa e espantosamente agressiva de ministros em relação a todas as oposições, a críticas internas, a sindicatos, a simples protestos populares. É a mesma personagem que, diante de cada manifestação desmancha-prazeres, arremessava monotonamente a acusação dos "insultos" e da "maledicência". É o primeiro-ministro que se rodeia de seguranças ajagunçados que abalroam repórteres inoportunos. É o mesmo que, no parlamento, troçava dos deputados nas suas barbas ou usava de um tom acintoso de valentão de feira para com eles: ridicularizava com trejeitos e momices Santana Lopes, Jerónimo de Sousa e Paulo Portas, nos momentos em que o interpelavam; espetava o seu dedo já ridículo para Louçã e repreendia 'Tenha tento na língua!', berrava para Paulo Rangel 'Não seja ridículo!', julgando-se, certamente, tratando com assessores-serviçais de Magalhães sobraçados e não com deputados eleitos. É esta espalhafatosa criatura que agora nos vem acenar com "princípios", com "liberdade" e com "tolerância".