A desertificação da Política
«Nada justifica que se possa admitir de um Primeiro-Ministro, representante máximo dos portugueses, este tipo de declarações. É um facto que o nível do debate político em Portugal é baixíssimo, e que tudo vale para caracterizar o adversário, excepto argumentos 'políticos'. Mas que esse vício nacional esteja vincado na atitude de um Primeiro-Ministro não pode ser apenas um facto que se lamente. Há um sinal claro do estado do debate político em Portugal quando um Primeiro-Ministro aposta na estratégia do medo - que a direita suba ao poder - para relembrar aos eleitores a importância de votar no seu partido. O vazio do discurso político é cada vez mais evidente, e pior só mesmo a impunidade com que isso acontece. O artigo de 11 de Agosto de José Sócrates no JN é isso mesmo, um sintoma desse vazio e dessa impunidade.»
Escrevi isto aqui, a 17 de Agosto, em reacção ao artigo de José Sócrates no JN, no qual o ainda Primeiro-Ministro identificou no PSD um "certo espírito do salazarismo". Nessa altura, não poderia imaginar que a campanha do PS se iria apoiar precisamente na reiteração desse mito, ofensivo a todos os níveis, não só para quem vota PSD como para com todos aqueles que enfrentaram o Estado Novo. Em nome de uma campanha eleitoral, o PS ultrajou o nosso legado político, distante e recente, impôs nas ruas o 'medo' para com o PSD, a sua alternativa política, e banalizou Salazar num mero argumento de retórica.
O PS mostrou, com isto, que está disposto a quase tudo para vencer. Alguns portugueses, por sua vez, mostraram, pela euforia com que repetiam essas mentiras, que Portugal continua o mesmo país de sempre, onde tudo se faz impunemente. Não se pode pedir seriedade aos políticos e depois recompensá-los quando não são sérios. Pelo papel central que ocupa na democracia portuguesa, exigia-se mais do PS, i.e. que fizesse campanha, mesmo que dura, mas com respeito pelos limites naturais do bom senso.
Se vencer, terá justificado todas as declarações horripilantes sobre Manuela Ferreira Leite, Salazar, e o Estado Novo? Talvez no PS se acredite que sim. Ou, pior, talvez nem se coloque essa questão. No final, vença quem vencer, o PS acaba a campanha deixando o país ainda pior do que quando a começou, com um verdadeiro deserto de credibilidade política; algo que não deve ser esquecido.