O governo silhueta
Regressado de férias, só agora tenho oportunidade de colocar aqui o meu artigo publicado no Diário Económico no passado dia 4 de Agosto.
Étienne de Silhouette foi ministro das Finanças de Luís XV. Durou muito pouco tempo, tão obcecado estava com os números, as receitas do reino que, dizem as más línguas, perdeu o lugar por não ter conseguido dizer ao rei qual a cor das paredes do seu quarto em Versalhes. Os franceses não gostaram muito dele, devido aos impostos que criou e ridicularizaram-no através de inúmeros desenhos com o seu perfil de homem gordo. O nome silhueta ficou ligado à ideia de esboço, mas também a de uma experiência rápida e fracassada. Para a posteridade aquele ministro deu um sentido novo ao seu nome silhueta.
O executivo de Sócrates não durou tão pouco tempo, mas foi, também ele, uma silhueta. Uma silhueta de governo. Pelo que prometeu e pelos resultados que deu. Pela forma como entrou em força, apresentando medidas enérgicas e saiu depois pela porta dos fundos, recuando perante os primeiros protestos. Por ter equilibrado as contas públicas, mas da maneira mais fácil, nunca ousando fazer o que era preciso: gastar menos. Em vez de enfrentar as decisões difíceis, limitou-se a onerar ainda mais os cidadãos. A vida é agora mais difícil que em 2005 porque este governo nos sobrecarregou com impostos, deveres e explicações várias.
A crise que Portugal enfrenta hoje não deriva da internacional. Esta limitou-se a agravar problemas estruturais da nossa economia, bastante complicados e que duram há demasiado tempo. Nos próximos anos, mais do que uma silhueta, precisamos de um governo que seja consentâneo, consistente e constante. Não precisaremos de cortar a eito, hostilizando tudo e todos, mas apenas ir ao fundo da ferida e iniciar a cura. Por muito que custe, e com o pragmatismo necessário, há que flexibilizar a lei do arrendamento e a legislação laboral, para que não seja tão difícil mudar de emprego; reduzir a despesa pública, de modo a que os impostos não asfixiem mais as pessoas e as empresas; dar autonomia às escolas nas decisões que lhes cabem e lhes interessam; realizar uma verdadeira descentralização administrativa do país, que colmate as cada vez maiores discrepâncias que existem entre as diversas regiões; adaptar o funcionamento dos tribunais aos dias de hoje, para que estes dêem resposta atempada aos pedidos de justiça que lhes são feitos. Pensar mais nas necessidades do país e menos nos interesses dos grupos corporativos. Não vai ser fácil, mas terá de ser feito.